segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Brejos brasileiros II


Eu trabalho no brejo e muito da minha percepção do Pantanal vem dali. O Pantanal é brejo na cheia e continua a ser na seca, naqueles reconditos onde as plantas aquáticas sempre vicejam, onde os jacarés repousam e os mosquitos proliferam. Os brejos de lama, das macegas dos camalotes, de estranhos bichos que se esgueiram no barro, as águas turvas. O domínio dos animais frios, anfíbios e répteis, da sucuri, da caiçaca e da boca-de-sapo.

Mas é lá também que crescem os jardins de plantas aquáticas, das flores roxas dos camalotes, das brancas dos chapúes de couro, das pervincas perfumadas, das flores noturnas das ninféias. Das muitas formas de vida: as aquáticas livre-flutuantes, as flutuantes-enraizadas, as emergentes, as submersas, as que crescem sobre outras aquáticas, epífitas tão diferentes das que crescem sobre árvores. É no brejo que os animais buscam água na seca. E é lá que tudo se cria: alevinos, girinos, insetos. As aves nidificam entre as plantas do brejo. Uma espécie de sopa primordial - para as trevas ou para a luz, conforme se queira. O desconhecido, o selvagem, o inatingível. Tudo o que nos amedronta e não se pode dominar. Ou a simbologia da fertilidade, da transformação, a mãe-natureza.

Eu gosto do brejo, e é lá que quero estar.

Foto: Carlos RLehn
Fonte: http://ruderal.blogspot.com/2006/07/de-trevas-e-luz-os-brejos.html

BREJOS SÃO IMPORTANTES

Aves que vão pro brejo...
jaçanã. Luiz Ribenboim
Jaçanã. Foto: Luiz Ribenboim


Um brejo é algo muito importante. Mas pouca gente sabe disso, e se importa com um brejo. Talvez só quem tenha bem gravado na memória algumas das coisas que marcam muito quando se está perto de um brejo de manhãzinha, ou num fim de tarde: a infinidade de grilinhos cantando, o ar mais frio, o cheiro do mato e o escondido cantar das saracuras.

frango-d'água-comum. Foto: M. Eiterer
frango-d'água-comum. Foto: M. Eiterer
Grilos e saracuras, pintos-d’água, japacamins, tesouras-do-brejo, e o nosso endêmico joão-botina, sabem da importância do brejo, pois nele encontram comida, cama e abrigo. Passarinhos de áreas mais secas, como os coleirinhos e papa-capins, sabem que o brejo é importante pois, muitas vezes, no fim da tarde, voam para eles, para dormir. Os martins-pescadores e os socós, os frangos d’água, as garças, marrecas e narcejas, sabem da importância dos brejos que, barrados, formam tantos “tanques” na região de Viçosa, de onde tiram seu alimento, nos “pesque-pague” ou na lama silenciosa, sob a proteção das taboas e outros “matos”desconhecidos da maioria das pessoas.
Japacamim. Foto: Helberth Peixoto
Japacamin. Foto: Helberth Peixoto

Os peixes, sapos, rãs, pererecas, cobras, e uma infinidade de outros bichos, sabem da importância do brejo. O perfume do lírio-do-brejo sabe que ele é importante pois ele e o brejo se casaram. A água sabe da importância dos brejos, pois é nele, mesmo naquele mais pequenino, que ela nasce, escorrendo devagar e silenciosamente, após merejar do solo. Passa, rasa, por entre o intrincado de caules e folhas das plantas aquáticas, forma pequenos córregos que se juntam em ribeirões, em rios cada vez mais impressionantes para, finalmente, chegar ao mar.
Frango-d'água-azul. Foto: Luiz Ribenboim
Frango-'água-azul. Foto: Luiz Ribenboim

Apenas as pessoas parecem não gostar do brejo, ou não lhe dar a devida importância. Descuidam da terra que, implacavelmente, ano após ano, vai escorrendo, a cada chuva, para dentro dele, deixando-o cada vez mais raso e agonizante. Às vezes, com trator, aterram o brejo para lotear, ou loteiam sem se preocupar com toda a terra que escoará para o brejo, para o “progresso da cidade”. Soltam bois e cavalos neles, que os pisoteiam com seus corpanzis, impedindo que o córrego se forme maior, mais limpo e mais livre. Mas as pessoas não sabem, ou fingem não saber, que cidade alguma sobrevive sem seus brejos bem cuidados e protegidos. Porém, com a falta d’água em tantas cidades do sudeste do Brasil, incluindo em Viçosa, as pessoas comecem a apreciar e valorizar mais seus brejos, descobrindo que precisam tanto deles quanto os grilos, as pererecas e as saracuras.

Sanã-vermelha. Foto: Jarbas Mattos
Sanã-vermelha. Foto: Jarbas Mattos
O II Concurso de Arte da AVOA celebra as aves dos brejos da região de Viçosa. E te convida a se juntar àqueles que já acordaram, lançando outros olhares, e outros ouvidos, sobre nossos brejos, córregos e ribeirões, para que aves e pessoas possam continuar vivendo. 
Fonte: http://avesdevicosa.blogspot.com/2015/08/brejos-sao-importantes.html
                        

Prof. Dr. Rômulo Ribon
(Laboratório de Ornitologia – Departamento de Biologia Animal - UFV)



Sobre sapos, brejos e festas

brejo
“(...) A saparia toda de Minas
Coaxa no brejo humilde
Hoje tem festa no brejo!
Carlos Drummond de Andrade

Quem compara sua vida a um brejo, desejoso em comunicar a péssima situação que experimenta, nunca conheceu um brejo.
Quando eu era menino de 10 anos, eu tinha meu próprio brejo. Bom, pelo menos de dia era meu, e à tardinha e noite, da saparia, incluindo as rãs, que juntos coaxavam como se reivindicassem a propriedade. Era lugar para amansar o pônei bravo, a queda era mais macia. E havia uma espécie de cama elástica, onde a molecada gostava de ficar pulando, e sentindo sob seus pés o aguaceiro retido pela trama de capim. O brejo servia de sossego em tempos de seca, nele o capim nunca acabava. Era onde as traíras se escondiam, e todo bom pescador sabia achá-las. Às vezes era preciso sangrá-lo, fazer pequenas canaletas que iam até o riacho, pois retinha muita água e o lamaceiro ficava insuperável. Nas canaletas podia-se encontrar argila. E com argila podia-se fingir de artista. E assim construir miniaturas de gado, de panelas, de vasos, … No brejo podia-se plantar. Colher. Comer. Algumas plantas despontavam com suas flores. Era um jardim que não precisava ser regado. Por ele voavam abelhas, borboletas e pássaros de todos os tipos e cantos. O brejo que eu possuía, também tinha festa!
Mas nem todo brejo se fixa do lado de fora da íris. Há alguns que são construídos no interior. No profundo do ser humano. Com uma vastidão incrível de lama. Lugar de difícil acesso, onde se corre o risco de ficar agarrado para sempre. O brejo de dentro não permite que a luz chegue. O brejo de fora se faz por sua luminosidade intensa. O de dentro não quer a celebração da vida. O de fora não pode evitar que a vida o celebre. O brejo de dentro é coroado de sentimentos lodosos – amargura, ressentimento, raiva, rancor, mágoa, tristeza,… Já o brejo de fora, vive com a movimentação dos animais cantores. O brejo de dentro perverte todo o exterior. O de fora converte todo o interior. O de dentro insiste que não há motivos para festa, pois tudo está no brejo. O brejo de fora realiza festa, sem se importar em motivos para tal.
No brejo pode acontecer festa! São os sapos que ensinam isso! Talvez por isso seja necessário engolir alguns sapos ao longo do tempo, pois eles sabem aproveitar um brejo. Quem ainda não engoliu um sapinho sequer, corre o risco de manter o seu brejo insignificante. Alguns sapinhos deveriam morar dentro de alguns seres humanos e assim arrumar seus brejos interiores. Tirar um pouco de lama aqui e ali! Renovar a água que de tão parada se encontra contaminada, e convidar algumas rãs para preencher o coral de anfíbios festeiros! Já pensou? Quando desse vontade de continuar na cama o dia inteiro como brejo mal cheiroso, um coaxar poderoso soava de dentro, e de repente, se entendia que por mais brejal que estivesse a vida, ainda haveria motivos de celebrar!
O Criador nunca se opôs aos brejos. No início de tudo, de acordo com a tradição judaico-cristã, Ele fez um pequeno brejo. Dele deu a forma de um ser humano. Inflou ar à forma que fez. E assim o ser humano passou a existir. Houve festa nesse brejo tornado gente. Depois do dilúvio, a mesma tradição diz que toda terra se transformou num grande brejo. Era início de dias melhores. A grande arca parou no brejo. A festa já acontecia na arca quando o brejo a serviu de cais de esperança. Jesus, ao curar certa vez um cego, fez em suas mãos um pequeno brejo de barro e cuspe. Com aquela maquete de brejo ele emplastrou a vista do cego, e ele passou a enxergar. Houve festa depois do brejo lançado em suas vistas. O brejo nunca foi visto pelo Mestre como empecilho para dias melhores.
Há um brejo dentro de você? Não se preocupe, haverá sempre um sapo para te ensinar, que até no brejo pode-se ter festa!
Fonte:https://aceia.wordpress.com/2016/12/28/sobre-sapos-brejos-e-festas/
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